Em uma UBS (Unidade Básica de Saúde) na zona sul de São Paulo, mesmo com as cadeiras obedecendo o distaciamento, as pessoas perceberam que Felipe Santos de Oliveira, 23, passava mal.
“Comecei a sentir tontura e a mulher do lado perguntou se eu tava bem. Eu caí, apaguei. Foi muito rápido. Acordei e tava todo mundo assustado. Eu tava sem entender o que aconteceu.”
Ninguém sabia porque o rapaz tinha passado masl, até que alguém perguntou se Felipe havia tomado café. Ele contou que fazia mais de 24 horas que não comia. O rapaz desmaiou de fome.
Uma outra médica, também da UBS na zona sul da cidade, viu entrar em seu consultório, em junho, uma grávida de 30 anos que cambaleava. Olhos fundos, boca seca e muita magra. A médica perguntou se a mulher usara drogas ou bebidas. A resposta a deixou surpresa: “Não. Você não tem nada para eu comer? Eu preciso comer.” A futura mãe não comia há 2 dias.
Desde então, aumentam mais e mais os casos de pessoas que procuram os postos de saúde para pedir comida. Estão doentes de fome. Segundo o secretário municipal de Saúde, Edson Aparecido, o primeiro caso apareceu em Parelheiros, também na Zona Sul da cidade.
Tenho bastante medo de virar morador de rua. Quando a coisa [pandemia] começou, eu perdi emprego e depois fiquei sem comida. Ficava pensando no dia em que ia ser obrigado a pegar minha malinha e ir morar numa calçada. Diz Felipe Santos de Oliveira, rapaz que desmaiou na UBS.
Uma enfermeira que trabalha na UBS de Parelheiros contou que toda semana atende crianças que pedem comida e idosos diabéticos que não conseguem controlar a glicemia porque têm apenas pão e bolacha para comer em casa.
Os profissionais dos postos de saúde estão fazendo o que podem – e mais do que podem. Eles pedem doações e fazem vaquinhas entre si para a compra de cestas básicas. Idosos acamados e mães com filhos pequenos têm prioridade. Outra medida é enviar os pacientes que se queixam de fome à assistência social para tentar incluí-los em algum programa municipal, estadual ou federal. Contatos com ONGs e igrejas também estão na lista de providências.
Sandra Sabino, secretária-executiva municipal de Atenção Básica, Especialidades e Vigilância em Saúde, descobriu que a lista de bairrosem que a população pede socorro aos postos de saúde inclui São Mateus, São Miguel Paulista, Guaianazes, Ermelino Matarazzo, Itaim Paulista, Grajaú, M’Boi Mirim, Parelheiros, Jardim Ângela, Pirituba e Perus.
Depois de desmaiar no posto, Felipe foi até uma Assembleia de Deus e passou a receber cestas básicas e gás de cozinha da igreja. “Eu usava mais o fogão a lenha que o fogão a gás.” Em um acordo, ele conseguiu autorização para continuar vivendo em seu barraco sem pagar nada. Mas se tiver que voltar a pagar, terá que ir para a rua junto de seu irmão mais novos. Felipe às vezes não come para ter o mínimo para o seu irmão.
A grávida que pediu comida no meio de uma consulta na UBS Jardim Campinas voltou algumas vezes ao posto para ganhar almoço. seu filho nasceu saudável e foi entregue a uma tia, e a mãe agora mora na rua, pois a sua relação com a família nunca foi boa.
As histórias assim se multiplicam na cidade e no paíse. As pessoas envolvidas (o pessoal da Saúde, da assistência social e os próprios carentes) torcem para ter Natal, virada de ano e Carnaval. Não porque eles querem festa ou presentes do papai noel. Eles só querem a oportunidade de trabalhar para poder comer todos os dias.
Fonte: tab.uol