Mais de 350 comunidades existentes no território Yanomâmi, estão sofrendo com fome, exaustão, doenças e violência, incluindo abuso sexual de mulheres e crianças em troca de comida, como mostrou O GLOBO neste domingo. A destruição provocada pelos invasores cresceu 46% em apenas 1 ano. Em outras palavras: foram mais 1.038 hectares, atingindo mais de 3 mil campos de futebol devastados, a maior taxa anual desde a demarcação da área, em 1992.
Dados do relatório “Yanomami sob ataque – Garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami e propostas para combatê-lo” divulgado pela Hutukara Associação Yanomami, nesta segunda-feira, aponta ainda para uma explosão de casos de malárias, com crescimento de mais de 1.000% em dois anos, em alguma regiões. Além disso, outras doenças infectocontagiosas e respiratórias atingiram a região, como a Covid-19 e pneumonia. Somadas, essas doenças levaram mais de 60% das crianças ianomâmi a nível crônico de desnutrição infantil.
A pesquisa identificou um crescimento de 3.350% do garimpo nas TIY entre 2016 a 2020. Como justificativa para este percentual, 5 das 6 causas apontadas estão ligadas a decisões políticas: a falta de fiscalização e regulamentação no mercado do ouro, a fragilização das políticas ambientais e de proteção dos povos indígenas, agravamento da crise econômica e do desemprego, além do posicionamento do atual governo em incentivar a prática ilegal.
— Esse relatório demonstra para a sociedade brasileira e o governo federal que o garimpo ilegal está sem controle algum e causando problemas reais de fome, violência e mortes — diz o vice-presidente da Associação Hutukara Yanomami, Dário Kopenawa.
Além do desmatamento, contaminação da água e assoreamento de rios, o estudo reforça que a atividade ilegal está aumentando a vulnerabilidade dos indígenas, principalmente em relação à insegurança alimentar e aos casos de doenças infectocontagiosas, como a malária e as sexualmente transmissíveis. Ao todo, 237 comunidades são afetadas diretamente pelo garimpo, número que representa cerca de 16 mil pessoas.
Sabemos que a Malária é comum na região da Amazônia mas, apesar disso, houve momentos de menor registro. Com o garimpo, o número de casos disparou e se intensificou durante a pandemia, tanto porque os postos de saúde ficaram lotados de casos de Covid-19, quanto pelo uso da cloroquina (principal remédio contra a malária) no kit Covid — explicou Paulo Basta, médico da Fiocruz.
A mineração ilegal também também inpulsionou a proliferação de mosquitos vetores. Não parece ter ligação, mas tem: com o desmatamento das florestas, os insetos passam a ficar mais expostos e próximos às comunidades indígenas, que não conseguem se auto sustentar frente aos sintomas: febre alta, calafrios e fraqueza extrema.
Conhecida como “doença consumptiva”, a malária “suga” as energias da pessoa infectada que, consequentemente, perde muito peso. No caso dos indígenas, como a alimentação depende da organização da comunidade entre o roçado e a caça, debilitados, eles ficam sem comida, o que agrava ainda mais o quadro de saúde.
Segundo depoimento dos ianomâmis, o sistema de saúde que atende as comunidades está cada vez mais fragilizado, com falta de médicos, equipamentos e remédios.
As doenças presentes dentro das comunidades, trazidas em sua maior parte pelos garimpeiros, têm afetado a dinâmica de trabalho e alimentação dos indígenas. Fragilizados, eles não conseguem cuidar das plantações, caçar, pescar ou andar em busca de frutas e outros alimentos, o que agrava os quadros clínicos e o aliciamento de indígenas pelos invasores, principalmente das mulheres, que acabam sendo vítimas de exploração e abuso sexual em troca de alimento.
Os garimpeiros oferecem alimentos industrializados e outros tipos que não fazem parte da dieta dos povos, o que faz surgir quadros de saúde antes desconhecidos entre os indígenas, como a anemia, a obesidade e sobrepeso, pressão alta e diabetes.
Os indígenas também estão desnutridos. O barulho das máquinas e o desmatamento afasta os animais que participam das comunidades indígenas, como o porco-do-mato, a anta e o veado, a partir do desmatamento e do barulho dos maquinários, além da destruição dos roçados familiares e da contaminação dos rios.
E tem mais. A cada 1 kg de ouro identificado, o garimpo ilegal produz um excedente de 2kg de mercúrio, que são despejados sem controle nos rios que circulam ou cortam a mineração. Quando chegam na corrente sanguínea, podem afetar todo o funcionamento do corpo, seja em curto ou longo prazo.
Fonte: O Globo