Neste cinquentenário do golpe militar de 1964, que deu início ao regime que perdurou por mais de 20 anos no país, com restrição a direitos políticos e individuais, perseguição política, mortes, torturas e outras barbáries, decidimos fazer um especial a respeito do tratamento dado aos indígenas pelo regime militar, assunto ainda não suficiente explorado e que traz consequências na ocupação e exploração da Amazônia até os presentes dias.
Muito se fala a respeito dos presos políticos, de muitos brasileiros que foram perseguidos, torturados e exilados. Entretanto, grande parte do público desconhece denúncias como as de Tiuré, ex-funcionário da FUNAI, de etnia potiguara, que teve que se exilar no Canadá em razão de perseguições dos militares: “Pode parecer irônico falar isso, mas a repressão, as torturas, as atrocidades cometidas no meio urbano parecem maior, parecem que doeram mais do que as que foram cometidas contra os índios. Hoje se fala em 400 desparecidos nas cidades, mas nós podemos falar em cinco mil desaparecidos indígenas, porque houve extermínio sistemático de aldeias. Era uma política de estado.”
A emblemática declaração do coronel Carlos Aloysio Weber, ex-comandante do 5° Batalhão de Engenharia e Construção, confirma o tom de como a ditadura lidou com as questões ambiental e indígena na Amazônia: “Como você pensa que nós fizemos 800 quilômetros de estrada? Pedindo licença, chê? Usamos a mesma tática dos portugueses, que não pediam licença aos espanhóis para cruzar a linha de Tordesilhas. Se tudo o que fizemos não tivesse dado certo, eu estaria na cadeia, velho.”
A declaração do coronel revela ainda o ‘DNA’ da política levada a cabo pelos militares na Amazônia, que, segundo apura a Comissão da Verdade, sugere a ocorrência de genocídio. Obviamente descendente do modelo colonialista português, infelizmente ainda se pode encontrar esse ‘DNA’ em muitos dos projetos desenvolvimentistas na região. Lamentavelmente, obras como as da usina hidrelétrica de Belo Monte, não têm seguido os trâmites legais de consulta e indenização prévias aos povos indígenas afetados.
Também a Petrobras foi acusada de atividades irregulares, sem consulta aos povos indígenas ou mesmo informação à FUNAI, na bacia do rio Tapauá, no estado do Amazonas, com a instalação de 15 balsas com geradores de alta capacidade, dutos e máquinas de mineração.
Perguntada sobre a recente exploração da Petrobras na bacia do rio Tapauá, a ANP, Agência Nacional do Petróleo, afirmou que “nenhuma exploração de petróleo e gás fora anunciada ou autorizada por esta agência naquela região.”
Talvez não seja nem mesmo possível para o Brasil resgatar suas dívidas com os povos indígenas. Para fazê-lo, deverá não apenas dissecar e reparar as atrocidades cometidas durante a ditadura militar. Deverá forçosamente buscar um novo modelo, uma nova forma de se relacionar com esses povos, que não reverbere os conflitos colonizador/colonizado que têm persistido há mais de quinhentos anos. Deve desistir de colonizar a Amazônia, aprendendo a conciliar o desenvolvimento, necessário para a melhoria de vida do povo, com um misto de ocupação e preservação onde haja respeito a seus povos e ao meio ambiente.
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