Essa semana, uma criança de 11 anos, grávida após ser vítima de estupro, teve um pedido de aborto legal negado em Santa Catarina e, infelizmente, isso não é exceção no Brasil. Há relatos frequentes de mulheres com o mesmo pedido negado por hospitais e pela Justiça. Ainda que se enquadrem nos termos previstos pelo Código Penal, que autoriza o procedimento em caso de estupro e risco à vida da mulher— recebem negativas por causa do tempo gestacional. Mas o que diz a lei em relação a isso?
Negaram o aborto legal à menina catarinense sob alegação de ter ultrapassado o prazo gestacional que define um aborto: entre 20 a 22 semanas de gestação (a gestação da garota havia passado disso) ou quando o feto tem até 500g.
Mas essa é uma recomendação técnica do Ministério da Saúde, de 2012, e não é prevista em lei.
Ou seja, não é ilegal interromper uma gravidez, mesmo após as 22 semanas, se o caso em questão estiver previsto nas normas brasileiras, que além de estupro e risco à gestante ainda elenca anencefalia do feto, por decisão do STF (Supremo Tribunal Federal).
Mas há uma questão conceitual que divide a classe médica, como explica a ginecologista e obstetra Carolina Pereira.
“Se uma mulher grávida chega ao hospital com sangramento e perde o bebê, será considerado aborto espontâneo se for até 22 semanas ou 500g de peso fetal. A partir disso, será considerado óbito fetal”,
diz. Por isso, há um grupo que defende que, após esse período, o aborto seria um “feticídio”.
Outro grupo, baseado na legislação, afirma que nos casos de interrupção de gravidez legal, a indução ao óbito se chama assistolia fetal, processo em que se induz à parada dos batimentos cardíacos, e o procedimento também é considerado aborto.
O que diz a OMS sobre o aborto
Para OMS, não há prazo para interromper gravidez. Em março deste ano, a OMS (Organização Mundial de Saúde) publicou novas diretrizes em que atualiza as recomendações para protocolos de abortamento. O órgão diz, no documento, que não há limites gestacionais para a prática, e os que são sugeridos pelos países, como no Brasil, são baseados em evidências científicas.
“Embora os métodos de aborto possam variar de acordo com a idade gestacional, a gravidez pode ser interrompida com segurança, independentemente da idade gestacional”,
afirma o texto.
“É um assunto de muita discussão entre as equipes que fazem abortamento em lei. Alguns hospitais definem o limite de 22 e, em outros, 20. Há até mesmo alguns que fazem com até 24 semanas. O procedimento não se faz sozinho. São equipes que dependem de médicos e enfermeiros, então os hospitais definem essas regras”,
diz a ginecologista Carolina Pereira.
“Nos países próximos ao Brasil e que descriminalizaram o aborto recentemente já existe uma grande variação. A Colômbia, o último a legalizar, adotou o prazo de 24 semanas. E existem países na Europa que não têm nenhuma delimitação”,
diz a A advogada Thais Pinhata.
A psicóloga Daniela Pedroso, especializada no tema de violência sexual e aborto, explica que esta incidência de mulheres vítimas de estupro que não prosseguem o aborto por este motivo é maior na faixa dos 12 a 18 anos.
“Em relação a meninas, crianças e adolescentes, é a falta de conhecimento do próprio corpo para entender o que está acontecendo. Isso o que faz com que elas busquem o serviço de saúde tardiamente, o que vai resultar em uma possível não realização do procedimento de aborto”,
completa a psicóloga.
Para a médica Carolina Pereira, há, ainda, o problema do tabu da violência sexual,
“Na maioria das vezes, as pessoas não querem admitir que houve um abuso. Temos uma cegueira coletiva para esse tema. Para uma adolescente é difícil contar, e para família e pessoas ao redor, também é difícil de admitir.
Daniela ainda chama a atenção para a saúde mental da menina de Santa Catarina que aguarda a autorização do aborto.
“Entrou-se numa discussão jurídica, mas essas pessoas não estão pensando na saúde mental dessa criança grávida de um estupro.
Fonte: UOL