Dificuldade de raciocínio, esquecimentos e problemas para realizar tarefas do dia a dia são características normais do envelhecimento, certo? De acordo com o médico americano Sanjay Gupta, chefe de neurocirurgia do Grady Memorial Hospital, em Atlanta, nos Estados Unidos, a resposta é “não”. Para o médico, que passou três anos coletando evidências e conversando com especialistas do mundo todo sobre como entender o cérebro e melhor seu funcionamento, o declínio cognitivo e a demência não são consequências inevitáveis da velhice.
Em entrevista ao GLOBO, Gupta garante que é possível estimular a criação de novos neurônios, melhorar a saúde e o funcionamento do seu cérebro em qualquer idade. Ele também explica qual é a melhor estratégia para manter a mente afiada e como melhorar a função cognitiva em qualquer idade.
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Os cinco pilares da saúde cerebral – mexer-se, descobrir, relaxar, nutrir-se e conectar-se
Segundo o Doutor, a prática regular de atividade física é a ação que tem o efeito na saúde cerebral comprovado pelo maior número de evidências científicas. Muitas pessoas ficam supresas, porque o senso comum diz que as palavras cruzadas são mais eficientes. Mas exercitar-se é a forma mais confiável de liberar o BDNF, sigla para fator neurotrófico derivado do cérebro. Essa é uma substância que seu corpo produz ou não. Você não pode injetar nem tomar uma pílula disso. E a forma mais confiável de produzi-la é através do movimento. No entanto, o tipo de exercício bom para o cérebro é diferente do que impacta no coração. Uma caminhada rápida é mais benéfica para o cérebro do que uma corrida. A boa dieta é vital também. O cérebro é extremamente sensível ao açúcar. Para se ter uma ideia do impacto, se alguém vai fazer uma prova ou tem uma reunião importante e come muito açúcar isso vai desacelerar a função cerebral por um período. As pessoas acham que ingerindo açúcar terão mais energia, mas, na verdade, é o oposto.
Segundo o médico, quanto mais cedo você começar essas estratégias, maior será o impacto. Mas mesmo se elas forem iniciadas mais tarde, haverá efeito. Pode ser que você tenha que adotar mais estratégias ou aplicá-las com maior intensidade, à medida que você envelhece, já que seu cérebro não estará naturalmente produzindo tantas novas células. Mas, no fundo, são as mesmas estratégias, em doses diferentes.
O médico ainda dá uma dica importante:
Antes de pensar em tratar algo com medicamentos, precisamos entender o impacto negativo que nossas ações estão causando no cérebro e resolvermos isso
Manter bons hábitos de vida para manter o cérebro saudável é o suficiente?
Infelizmente não. O neurocirurgião diz que às vezes as pessoas precisam de tratamentos sim. Porque a maioria das pessoas no mundo desenvolvido não vive da maneira que os seres humanos deveriam viver. Deveríamos estar nos movendo muito. Antigamente as pessoas não se sentavam até ficarem velhas. Agora, nós sentamos a maior parte de nossos dias. O jeito que comemos também está errado. Comemos centenas de quilos de açúcar por ano, em média. Outro fator é o sono. Dormimos cada vez menos e pior. Por isso, ele diz que o primeiro ponto é entender o impacto negativo que nossas ações estão causando no cérebro e resolvermos isso.
Socializar: melhor que sudoku
Socializar é mais importante do que fazer palavras-cruzadas para o cérebro. No entanto, nos últimos dois anos nós passamos a maior parte do tempo isolados do contato com outras pessoas.
O interessante é que a solidão é como as pessoas se sentem. Algumas pessoas podem não estar interagindo com ninguém, mas não se sentem solitárias. Outras, podem estar perto de muitas pessoas e ainda se sentirem sozinhas. Então é muito importante entender que a solidão não significa estar só fisicamente. Você pode se conectar virutalmente ou pessalmente, com uma caminhada ao ar livre, por exemplo, que ainda fará bem para o cérebro e o corpo.
Como diferenciar o esquecimento normal de um problema neurológico
A falta de atenção está por trás da maioria dos problemas de memória. Acho que podemos usar o exemplo das chaves para exemplificar isso. Se você não consegue encontrar as chaves perdidas, provavelmente não é algo para se preocupar. Na maioria dos casos, isso significa apenas que ela simplesmente não estava prestando atenção no que estava fazendo. Para se lembrar de algo, você precisa se concentrar nisso. Se você não estava atento quando deixou as chaves em determinado lugar, você não esqueceu onde colocou suas chaves. Você nunca se lembrou onde colocou suas chaves. Por outro lado, não lembrar para que servem as chaves é algo para se preocupar. Outro sinal de alerta é quando os problemas de memória começam a afetar o seu dia-a-dia de uma forma que você esquece coisas básicas, como tomar remédios ou tomar banho.
Na sociedade atual, ser multitarefas é sinônimo de produtividade. Mas será que isso é bom?
O cérebro gasta energia para alternar tarefas. Quando você vai de tarefa para outra, sucessivamente, você está consumindo muita energia e não está sendo tão eficiente ou produtivo quanto pensa. Quanto mais você puder organizar seu dia em compartimentos, por exemplo, trabalhar em uma coisa, parar, e depois iniciar outra, melhor.
Todos os humanos usam todo o cérebro, mas provavelmente usamos 10% do nosso cérebro, 90% do tempo. Para criar reserva cognitiva, que é a capacidade do cérebro de improvisar e se orientar em torno dos obstáculos que encontra, precisamos usar mais outras partes do cérebro. A maioria das pessoas acha que está treinando o cérebro ao fazer palavras-cruzadas ou sudoku. E, embora ambas sejam muito boas, essas duas coisas só vão ensinar seu cérebro a fazer algo repetidamente. É como ensiná-lo a dirigir na mesma rua, várias vezes. Para construir reserva, precisamos exercitar diferentes partes do cérebro. Isso significa tentar novas atividades. De preferência, algo que envolva a função motora. E se você puder fazer isso de forma diferente do que está acostumado, melhor ainda. Pintar com a mão esquerda que você não escreve, por exemplo..escover osdentes ou tentar comer com a mão não dominante. Um cérebro resiliente vai olhar para determinada situação e ser capaz de descobrir imediatamente como lidar com ela, como resolver o problema, seja ele qual for. Já um cérebro que não tem muita resiliência é aquele que é imediatamente esmagado pela situação. Ele não sabe o que fazer e fica paralisado.